Não sei o que é, o nome é até mesmo paradoxal, mas está causando discórdia. Nesta quinta feira provavelmente será realizada uma palestra na USP-São Carlos sobre o tema, mas tem um pessoal que já está tentando boicotá-la. Talvez ao invés de boicotar fosse mais interessante que os que escreveram a carta estivessem presentes na palestra para gerar um debate. De qualquer maneira a reproduzo na íntegra.
São Carlos, 14 de outubro de 2008
Ao Instituto de Física de São Carlos (IFSC),
Na pessoa de seu Diretor, Prof. Dr. Glaucius Oliva e do Chefe do Depto. de Física e Informática, Prof. Dr. Richard Garratt
Prezados Senhores,
Tomamos conhecimento de que o Instituto de Física de São Carlos (IFSC) promoverá a palestra intitulada: “O Universo – Teorias sobre a origem - Criacionismo Científico”, ministrada pelo M.Sc. Adauto Lourenço. O evento está marcado para acontecer na próxima quinta-feira, dia 16/10 (às 19:00 horas), no auditório Sérgio Mascarenhas do IFSC (Universidade de São Paulo).
Há três semanas, o grupo PET-Química da Universidade Federal de São Carlos tentou realizar uma palestra com o título: “A Vida e o universo: um grande acidente ou design inteligente?”, que seria ministrada pelo Prof. Dr. Marcos N. Eberlin (Universidade Estadual de Campinas). Felizmente, tal promoção da idéia do “Design Inteligente” – um dogma religioso – foi em tempo rechaçada por alunos, professores e pelo Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa, que corretamente cancelou a palestra. A mesma palestra (com o mesmo título e proposta) havia sido cancelada também na Unicamp por decisão do Coordenador Geral da 60ª Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O aprendizado mais doloroso decorre de erros próprios. Em junho de 2007, foi permitida na Universidade Federal de São Carlos a promoção da série de palestras que visavam a “discutir” o Evolucionismo e o Criacionismo. Tal atitude foi fortemente repreendida pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e, infelizmente, parece não ter surtido o efeito esperado para todas as universidades públicas.
Para esclarecimento, o Criacionismo ou “Design Inteligente” é uma doutrina mascarada cujos defensores dão uma roupagem supostamente científica a essas crenças para propagá-las dentro de universidades e escolas. Pretende concluir a existência de deus e da criação a partir da impossibilidade da ciência atual de explicar todos os fenômenos naturais e distorce descaradamente conhecimentos há muito consolidados. Tentativas como esta são um retrocesso a um passado distante, onde o homem atribuía fenômenos físicos naturais, como uma tempestade ou um eclipse, a um castigo divino e não a fenômenos físicos hoje elucidados.
O “Design Inteligente”, ou “Criacionismo Científico”, é reconhecidamente uma forma de criacionismo cristão. Nos Estados Unidos da América, essa questão foi a tribunal por mais de uma vez devido à insistência dos seus defensores em implementar as idéias do “Design Inteligente” em salas de aula. Em 2005, o julgamento (Tammy Kitzmiller, et al. v. Dover Area School District, et al., Case No. 04cv2688) mais importante sobre a questão terminou com a decisão do juiz John E. Jones III que declarou o “Design Inteligente” como mais uma forma de criacionismo religioso, e sua inclusão na escola pública em questão foi proibida por ferir o princípio de separação entre Igreja e Estado (protegido pela Constituição estadunidense e também pela brasileira). No mês passado, na Inglaterra, o reverendo Michael Reiss sugeriu que a teoria de evolução por seleção natural deveria ceder ao criacionismo parte de seu espaço no currículo escolar. A esse pronunciamento, que Reiss se afirma vítima de má interpretação, seguiu-se uma forte oposição e terminou com a demissão do reverendo do cargo de diretor de educação da Royal Society, a mais prestigiada associação científica da Inglaterra.
Confiamos na missão e dever de todas as universidades públicas deste país, incluindo a Universidade de São Paulo, em promover o conhecimento. Não podemos aceitar que ideais religiosos de qualquer vertente sejam apresentados a nossa comunidade como alternativa ao pensamento racional, crítico e científico. Esse tipo de evento, que visa a promover uma ideologia religiosa disfarçada de ciência alcança a inconstitucionalidade, segundo a Constituição Federal do Brasil (CF/88 - Art. 19). O Brasil é um país laico, e assim, nenhuma crença ou religião pode exercer pressão ideológica junto aos cidadãos livres, nem imprimir sua presença em órgãos e espaços públicos (que é o caso da USP). Caso a supracitada palestra ocorra, o Instituto de Física de São Carlos (com a conivência da USP) estará infringindo a lei ao fazer uso de recursos públicos para a promoção e divulgação de um pensamento dogmático baseado na religião cristã – por meio do oxímoro “Criacionismo Científico” – como suposta alternativa ao método científico universalmente aceito pela comunidade acadêmica mundial.
Ressaltamos que não se trata de uma restrição à liberdade de expressão, mas é imperativo respeitar a missão desta e de toda a universidade: a busca do saber e a propagação do pensamento crítico e racional e não a divulgação de ideologias religiosas como contraponto ao pensamento científico e racional. Para esse tipo de prática existem outros locais apropriados. Além disso, é missão vital de uma democracia a proteção das minorias religiosas, que não devem sofrer discriminação ou desconforto pela promoção de alguma religião majoritária dentro de espaços públicos.
Entendemos, e estamos certos que os senhores compartilham de nossa opinião, de que a defesa do ensino laico e do conhecimento científico é uma questão fundamental da sociedade moderna. Para quem está absolutamente à margem do conhecimento científico, como estão os criacionistas, o prestígio de falar em universidades de renome tem sido utilizado como moeda de reconhecimento de mérito. Isto é absolutamente preocupante, uma vez que dá-se um verniz de respeitabilitade e faz crer que na universidade ainda se discutem idéias retrógradas que já foram rechaçadas há pelo menos 150 anos. Pelas razões acima, consideramos que a palestra “Criacionismo Científico” deva ser cancelada, outrossim, sentir-nos-emos na obrigação de relatar o uso indevido de recursos públicos junto a autoridades competentes. No entanto, reconhecendo a autonomia deste prestigioso instituto e, conhecendo vosso prestígio e compromisso científico já historicamente consagrados, estamos certos que esta palestra esteja ocorrendo à vossa revelia e que os senhores farão o necessário para que vosso nome não fique indelevelmente associado a palestras como esta.
Sem mais para o momento, subscrevemo-nos.
Atenciosamente,
Bruno Sauce Silva – mestrando no Departamento de Genética (Ufscar)
Cíntia Camila S. Angelieri - mestranda no Centro de Recursos Hídricos e Ecologia Aplicada (USP)
Fábio Toshiro Taquicava Hanashiro – mestrando no Departamento de Hidrobiologia (Ufscar)
Felipe Bannwart Perina - Especialista de Sistemas
Marcus Vinicius Cianciaruso – doutorando no Departamento de Botânica (Ufscar)
Marco Antônio Portugal Luttembarck Batalha – professor do Departamento de Botânica (Ufscar)
Priscila de Paula Loiola – mestranda no Departamento de Botânica (Ufscar)
Vinícius de Lima Dantas – mestrando no Departamento de Botânica (Ufscar)
Reinaldo Otávio Alvarenga Alves de Brito – professor do Departamento de Genética (Ufscar)
2008/10/15
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